Cultura de DEPs do que “cresce e se vende”

*Por Fernando Furtado Velloso, diretor comercial da Crio – Central de Genética Bovina, médico veterinário e mestre em produção animal

Importamos, especialmente dos EUA, a cultura dos programas de melhoramento e Diferenças Esperadas na Progênie (DEPs). A tecnologia funciona e nos serve. Passamos a calcular números com dados de desempenho, fatores de correção, matriz de parentesco (genealogia), grupos contemporâneos, laços genéticos entre rebanhos etc. Com tudo isso, é possível comparar animais de diferentes fazendas para algumas características. Ótimo. Nos trouxe mais objetividade para a seleção de bovinos. Não dependemos mais somente de jurados. O problema é que importamos a cultura pela metade.

Aderimos com força apenas a uma parte da tecnologia. Ficamos bons em DEPs para crescimento e carcaça. Estamos cheios de touros Top 1% para Peso Final ou AOL. E o método funciona bem demais. Ponto pra nós. Porém, especialmente nos taurinos, pouco avançamos nas avaliações genéticas para o mérito da vaca, eficiência reprodutiva e longevidade produtiva. Meio que abandonamos os controles internos para dados intra-rebanho. Já não calculamos com rotina o peso ajustado ao desmame, o percentual de peso desmamado pela vaca, o intervalo entre partos do rebanho e de cada matriz.

Temos fartura de números dos animais na avaliação genética da raça que criamos, mas escassez de números para avaliar os animais dentro de nosso rebanho. “Deixa que números é o programa que calcula”, alguns dizem, mesmo que certos números não sejam calculados por ninguém. Acabamos medindo só o que cresce e se vende. Como a “fábrica” (plantel) está indo fica pra depois.

Os dados intra-rebanho são os mais importantes para o selecionador. Essa afirmação é convicção minha. Não é citação de algum livro ou outra fonte. O intra-rebanho mostra que matrizes (e genética) funcionam no meu plantel e no meu sistema de produção. Exemplo: a vaca 9010 tem 6 anos e desmamou 5 filhos com peso 10% superior à média. Ela é 5/110. Sua genética deve ser multiplicada. Pouco importa se essa vaca é Top 5, 20 ou 60% para algum índice final. Essa fase já passou na vida dela faz anos. Ela é boa demais. Tem parição todos os anos no cedo e gera um bezerro superior à desmama. Com essa fábrica eu não quebro.

Mais atenção às matrizes
Medimos e damos foco demais no que cresce e se vende. Os dados da vaca são meio “descartáveis” no geral. Tem aquele bezerro que não pegou registro e ficou fora do programa, outro que morreu antes do desmame etc. Paciência se a falta de informações vai prejudicar os dados reprodutivos da vaca. É assunto pra depois. Este quadro leva algumas pessoas a criticarem exageradamente as DEPs, dizendo que com DEP não se faz um bom gado; que DEPs não se refletem no campo etc. Não acompanho esse raciocínio. É demasiado simplista e reducionista. É uma polêmica vazia. Pode derivar de falta de compreensão do todo ou ser um pouco de má-fé mesmo. Se não entendo ou não me destaco na área, desqualifico.

As DEPs são números como outros. Os índices são DEPs misturadas. São uma nova célula na planilha do Excel. Índices ora simplificam o uso dos dados, ora igualam animais diferentes. A pecuária é cheia de números: taxa de prenhez, Kg/ha, R$/ha, GMD Global etc. Nas empresas é o mesmo: faturamento, margem, meta, retorno, passivo etc. Estes números isolados nos dizem pouco. Logo, quem não crê em DEPs não crê em números. Existem alternativas: comprimento em braças dum laço, tempo em quantidade de luas, e venda do gado por cabeça, a vulto, na perna. Alternativas que envolvem menos números.

Com DEPs só do que se vende (Touros Top para algum Índice Genético) podemos ter bom comércio de reprodutores no curto prazo. Será uma corrida sem fim por peso e números. Talvez a fábrica não resista. Talvez o cliente seja observador e migre para algo com mais equilíbrio. Com um trabalho bem feito no intra-rebanho, será contínua a melhoria da fábrica. O produto final (touro e novilho) será melhor e mais completo, pois é resultado de números e critérios que sustentam a longevidade de um rebanho: fertilidade, bons úberes, cascos, aprumos, adaptação, tamanho adequado ao meio etc. Os clientes que buscarem estes reprodutores estarão afinados com o sistema de produção e seleção dos animais. Nada disso exclui as DEPs, o ultrassom de carcaça, a genômica etc. Todos são números que nos apoiam para a tomada das melhores decisões.