Por Júlio César Laureano Martino, médico-veterinário da Minitube Brasil.
Uma série de variáveis contribui para o sucesso ou o fracasso da inseminação artificial (IA). Pensando no touro, podemos levar em consideração seu estado de saúde e nutricional, passando pela frequência de coleta de sêmen. No caso da vaca, o momento certo da IA sempre foi um desafio, mas com o crescimento da inseminação artificial a tempo fixo (IATF) nos últimos 20 anos houve evolução na eficiência deste processo.
Uma das etapas críticas é a do armazenamento e do manuseio das doses de sêmen antes da inseminação. O sêmen é altamente sensível e as influências ambientais, como variações de temperatura, podem afetá-lo. Por isso, o congelamento e o descongelamento do sêmen são processos altamente delicados, que exigem conhecimento, experiência e equipamentos especializados de alta qualidade.
Este artigo tem como objetivo fornecer uma visão geral dos fatores que precisam ser considerados para manter a qualidade do sêmen, desde o armazenamento nos botijões de nitrogênio líquido até o descongelamento das doses de sêmen e o preparo dos aplicadores de sêmen utilizados no processo de inseminação.
Armazenamento e transporte de sêmen em botijões
Para manter os parâmetros de qualidade do sêmen congelado, as doses devem ser armazenadas em temperaturas inferiores a -80°C. Acima desta temperatura, os cristais de gelo formados a partir do conteúdo de água do sêmen e do diluente não são completamente estáveis e representam uma ameaça aos espermatozoides.
Por esta razão, armazenam-se as doses de sêmen em botijões com nitrogênio líquido, dentro dos quais a temperatura deve ser constante em -196°C. Por esse motivo, os botijões são compostos por duas camadas, sendo estas isoladas por vácuo. A superfície externa dos botijões de nitrogênio não deve estar fria ao toque nem deve ter acúmulo de gelo no gargalo do botijão. Estes são sinais que indicam perda de isolamento térmico e consequente evaporação de nitrogênio líquido. Neste caso, as doses de sêmen devem ser transferidas para um recipiente de nitrogênio de reserva o mais rapidamente possível.
Para evitar danos ao botijão, ele precisa ser manuseado com cuidado e não deve ser submetido a movimentos bruscos, evitando colisões com outros objetos. Além disso, os botijões precisam ser protegidos da umidade para evitar a corrosão da camada externa. Os recipientes devem ser armazenados em área limpa, seca, livre de poeira e com boas condições de luminosidade, mas sem luz solar direta. A manutenção regular inclui o monitoramento do nível de nitrogênio líquido, normalmente utilizando-se réguas medidoras. O nível não deve ser inferior a 8 centímetros e a manutenção de um registro da perda de nitrogênio deve ser realizada constantemente.
Manuseio das doses de sêmen após retirada do botijão
O manuseio das doses de sêmen do botijão de nitrogênio líquido é uma etapa importante na preparação da inseminação, podendo comprometer não apenas a qualidade da dose de sêmen descongelada, mas também a qualidade de todas as outras doses de sêmen no recipiente. Dada à grande relação superfície-volume, o sêmen em palhetas pode ter sua qualidade negativamente afetada por temperaturas elevadas, mesmo em poucos segundos após a exposição. Por isso, recomenda-se que o botijão seja preenchido com nitrogênio líquido até o gargalo para que a temperatura se mantenha abaixo dos -80°C acima mencionados. A Figura 1 mostra a distribuição exata da temperatura [°C] no gargalo de um botijão de nitrogênio líquido (Fig. 1, adaptado de Saacke, 1974). Por isso, uma medida importante para proteger as doses de sêmen da exposição prolongada a temperaturas altas é ter um sistema de inventário atualizado que liste o conteúdo de cada canister, junto com racks identificadas por cores. Dessa forma, o tempo gasto na busca de uma determinada dose de sêmen pode ser minimizado.
Ao manusear uma dose de sêmen, o canister deve ser mantido o mais baixo possível no botijão e apenas elevado acima da linha de congelamento por no máximo 10 segundos. Se necessário, o canister deve ser abaixado de volta para o tanque por 10-15 segundos para esfriar novamente antes de continuar. Na mesma linha, as palhetas de sêmen no botijão devem sempre ser manuseadas com pinças, não com as mãos, para evitar exposição adicional ao calor. Em resumo, é fundamental que o manuseio das doses de sêmen seja rápido e organizado.
Descongelamento das doses de sêmen
Quando se trata de descongelar doses de sêmen, é crucial minimizar o tempo de exposição da palheta a faixas de temperatura prejudiciais e, assim, permitir que o sêmen descongele muito rapidamente. Portanto, o descongelamento ideal é alcançado colocando a palheta em água morna, ou seja, de 32-40°C por 25-30 segundos (palhetas de 0,25 ml) ou 30 segundos (palhetas de 0,5 ml). De preferência, utilizar um descongelador apropriado, pequeno e leve, preenchido com água e aquecido com antecedência durante este processo. Ainda quanto ao descongelador, a presença de tampa de vedação auxilia a manutenção da temperatura exata da água.
Há, no entanto, uma ressalva ao resfriamento da água após aquecimento. Como os espermatozoides podem ser danificados por variações de temperatura, o gerenciamento da temperatura precisa ser monitorado de perto. As palhetas não devem ser deixadas na água morna por mais tempo do que os 25-30 segundos recomendados para palhetas de 0,25 mL ou 30 segundos para palhetas de 0,5 mL, para que a temperatura do sêmen não suba acima de +22°C. Na mesma linha, precauções precisam ser tomadas para evitar queda brusca na temperatura das doses de sêmen pós-descongelamento.
Por isso, recomenda-se trabalhar à temperatura ambiente, pré-aquecer o aplicador e mantê-lo aquecido durante o transporte até a inseminação, com o uso de bolsas aquecedoras para aplicadores. É importante salientar que a temperatura da água deve permanecer constante no descongelador para que seja possível descongelar de 10 a 20 palhetas simultaneamente. No entanto, este número de palhetas deve respeitar intervalo máximo de até 15 minutos entre descongelamento e inseminação, para que não haja comprometimento da qualidade da dose inseminante.
Equipamentos de IA
A fim de obter os melhores resultados de inseminação, dê preferência a produtos e fornecedores de qualidade. Por exemplo, apenas um aplicador de IA que seja adequado para a vaca, bem como ergonômico para o operador, fornecerá resultados esperados.
Da mesma forma, as bainhas não devem ser submetidas à luz solar direta ou ao calor por longos períodos de tempo. Isso pode resultar em encurtamento ou deformações que podem nem ser visíveis, mas prejudicam a vedação da bainha com a palheta e/ou o aplicador de sêmen, resultando em perda de parte da dose.
Montagem do aplicador de sêmen
Para evitar variações de temperatura, o aplicador pode ser pré-aquecido antes de prepará-lo para realizar a inseminação. Uma maneira conveniente de fazer isso é usar uma bolsa de aquecimento para aplicadores, a qual pode ser ajustada para a temperatura ideal.
Para preparar a palheta para a inserção no aplicador, depois de retirar do descongelador, primeiro ela precisa ser completamente seca, já que a água é letal para os espermatozoides. Então, depois de se certificar que a bolha de ar está na extremidade selada, a palheta é cortada abaixo da vedação e, posteriormente, colocada no aplicador com o plug de algodão primeiro. O uso de um cortador de palhetas garante corte limpo e reto, o que, por sua vez, diminui o risco de fluxo retrógrado de sêmen no aplicador durante a inseminação. Na sequência, a palheta é colocada no aplicador com o plug de algodão junto à extremidade do êmbolo e a bainha colocada sobre o aplicador.
Após a montagem do aplicador de sêmen, a inseminação deve ser realizada o mais rápido possível.
Dica: Os equipamentos de IA devem ser limpos com álcool isopropílico a 70% para evitar contaminação cruzada. Desinfetantes e sabonetes são altamente prejudiciais aos espermatozoides e, portanto, não são adequados como agente de limpeza.
Bem estar animal
Para minimizar o estresse e o desconforto da vaca, o animal precisa ser manuseado com calma. Além de causar estresse desnecessário ao bovino, a agitação indevida ou o manejo bruto também podem prejudicar o transporte de sêmen no trato reprodutivo do animal e, assim, resultar em menores taxas de concepção.
Outro fator importante para proporcionar o máximo de conforto possível para o animal é o uso de gel lubrificante adequado para evitar que ingredientes sejam tóxicos aos espermatozoides
Literatura citada neste artigo:
- Conceitos em embalagem e uso de sêmen; Saacke, R. G. 1974
- Efeito do Choque Frio após Descongelamento na Manutenção e Motilidade Acrossomal de Espermatozoides Bovinos Congelados em Palhetas Plásticas; Almquist, J.O. 1976
- Influência da temperatura de descongelamento na motilidade, estrutura e metabolismo espermática do sêmen bovino congelado; Zenteno, E.S., Rojano, B., Betancur, G. R. 2023
- O manejo adequado do sêmen melhora as taxas de concepção de vacas lei-teiras; Looper, M. 2000
- Checklist de manipulação de sêmen – GENEX
- Armazenamento e manuseio de sêmen congelado; O’Connor, M. L. 2016