Por Fernando Furtado Velloso, diretor comercial da Crio – Central de Genética Bovina, médico veterinário e mestre em produção animal
Pelo ofício do meu trabalho, passo os dias pensando nos touros de raças europeias ou taurinas como chamamos também. Nestes 25 anos de trabalho com reprodutores e genética, já vi uma dança das cadeiras bem bonita. Teve raça que ficou sem cadeira, teve raça que ocupou várias (suficiente pra uma arquibancada), teve raça que dançou, saiu e voltou pro baile várias vezes. Curioso. “Na dança da cordinha, dança preta e dança loira”. Não tem assunto que não me faça lembrar alguma música. E não toco nenhum instrumento. Eventualmente, “caixa de gaita”.
Os taurinos, especialmente o Angus, já andaram de chefes no mercado da inseminação. Em 2018, 64% do sêmen de corte vendido era de taurinos, ante 36% dos zebuínos, de um total de 9,7 milhões de doses. Em cinco ou seis anos, o jogo virou. Em 2023, a participação dos zebuínos subiu para 64% e a dos taurinos caiu para 36%. Agora num mercado bem maior, de cerca de 16,5 milhões de doses. Parecem até números arredondados pra história ficar mais convincente, mas é o que dizem os dados da Asbia.
Os motivos eu não sei explicar, mas as especulações são muitas: que o cruzamento chegou no seu teto, que o mercado da carne de qualidade não era tão grande como nos disseram, que a exportação de gado em pé era quem puxava esse negócio, que o Boi China nos colocou no nosso lugar de produtores de commodities, que pouca gente está disposta a tratar animais com carrapato e outros parasitas, especialmente quando o bezerro cruzado perdeu o seu sobre preço. E por aí vai. Pode-se incluir vários outros itens nesta listinha. Logo teremos uma explicação bem clara, pois olhar e explicar o passado é fácil. Daremos nomes e motivos para cada pico e cada vale de nosso gráfico.
Um tema que me frustra um pouco, enquanto entusiasta do melhoramento genético e das raças taurinas, é que esse “arranca e para” do mercado de taurinos traz prejuízos pela descontinuidade. Recordo da grande demanda das centrais por touros Angus, entre 2015 e 2020. Bastava ser homozigoto preto e ter alguns bons índices para ser candidato a touro de central. Havia um mercado aquecido e sem tempo para esperar produtos mais elaborados. Passado esse período, nos vimos superestocados de touros e doses congeladas. A curva virou. E então touros muito qualificados e completos foram “desperdiçados” pelo mercado e pela pecuária. O momento era de gerir estoques e não de buscar novos produtos.
O touro nacional já foi desmerecido por carregar menos tecnologia do que o importado, especialmente o americano, que domina esse mercado. Por esta fase já passamos. O touro nacional de hoje tem as mesmas ou mais informações técnicas e genéticas do que o importado. Além das já tradicionais DEPs para crescimento e carcaça, o nosso touro tropical traz tecnologia e dados para resistência ao carrapato, menos pelame, adaptação ao meio, etc. Quem diria? O carro nacional tem mais acessórios do que o importado. Agora é mostrar e demonstrar isso aos clientes.
A demanda das centrais por taurinos voltados ao cruzamento nos confundiu um pouco também. O sêmen que mais vende é o Top 0,1% para Peso Final, AOL, Peso de Carcaça e outras coisas que pesam no gancho. É um touro terminal por natureza. Não importa muito se nasce grande, se tem alta manutenção, se precisa de muita comida para engordar. Com isso, ficamos num impasse como selecionadores: Que touro produzir?
O que vende mais sêmen ou o mais equilibrado para meu sistema de produção e dos meus clientes?
Uma resposta tenho com segurança: eles não são os mesmos. Vejo selecionadores com touros em central que não os usam em seus rebanhos. Sequer no repasse da inseminação. E neste mercado confuso, deixamos de usar amplamente touros que seriam muito úteis às nossas necessidades. Seguimos, basicamente, multiplicadores de genética importada e bem pouco selecionadores de nossos rebanhos. Que show da Xuxa é esse? Esse dilema não deve estar na mente da maioria dos leitores, pois é algo que aflige somente os produtores de taurinos, na sua maioria concentrados no sul do Brasil. São dilemas de quem vive num Brasil pecuário diferente do grande Brasil dos zebuínos. Gente que cria vacas europeias ou cruzas europeias pastando em campos nativos. Já não sei se é o nosso cenário real ou um cenário romântico de nossa história. Talvez demasiada proximidade com a Argentina e Uruguai.